sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Finalmente.

"Finalmente, aconteceu o melhor: eu entreguei os pontos. Tem hora em que deixar-se vencer pelo cansaço é que é vitória. Não para ficarmos morando nele, pois quando cansaço passa a parecer casa já virou cilada. Deixar-se vencer pelo cansaço, às vezes, só para a coragem descansar um pouco, tomar ar, beber uma água, estirar as pernas. Outras, para desistirmos de tentar ignorar o pedido de escuta do nosso coração, que está cheio de coisas pra nos dizer, meio doído, meio assustado, meio aperreado, carente do olhar da gente. Querendo tempo. Querendo colo. Querendo abraço com os braços bons da ternura
Por preguiça afetiva, pra não darmos confiança para alguns sentimentos, pra economizarmos lágrima, por medo de que desminta as mentiras que nos contamos por comodismo, a verdade é que muitas vezes desconversamos quando o nosso coração tenta puxar assunto. E, não é raro, desconversamos com a maior cara-de-pau do mundo. Desconversamos com os recursos mais costumeiros, com outros inéditos, alguns até bizarros. Para esse tipo de escuta, quando é a nossa vida que está na berlinda e não a alheia, bem mais do que coragem, há que se ter também muito amor. Então, finalmente, aconteceu o melhor: eu entreguei os pontos. Cansei de resistir ao papo. Procurei um lugar confortável em mim, diminuí o volume dos ruídos todos do lado de fora, pausei os afazeres, sem mais nenhuma resistência e com toda honestidade amorosa de que era capaz. Disse pra ele: “Fala, meu amado, eu estou aqui inteirinha com você.”
E ele falou tudo o que sentia e tudo o que sentia era legítimo. Choramos juntos sem economia de instante, depois assoamos a vida. Desapertou. Desapertamos. Respiramos mais macio. Criamos espaço, os dois. Combinamos deixar coisas pra trás e seguir em frente, mais leves. Combinamos que nem sabíamos direito como era isso de seguir em frente, mas que ali onde estávamos também não havia mais jeito de retorno. Combinamos que descobriríamos, juntos, ao caminhar.


.Ana Jácomo

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Combinei comigo mesma.

Não importa o quanto às vezes seja difícil, o quanto às vezes eu me atrapalhe, o quanto às vezes eu seja a densa nuvem que esconde o meu próprio sol, quantas vezes seja preciso recomeçar: combinei comigo não desistir de mim.

.Ana Jácomo

Só tu.


Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar,


para atravessar o rio da vida - ninguém, exceto tu, só tu.


Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes,
e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio;


mas isso te custaria a tua própria pessoa;


tu te hipotecarias e te perderias.


Existe no mundo um único caminho, por onde só tu podes passar.





Onde leva? Não perguntes, segue-o.







.Nietzsche

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A página

Um anjo que tenho em minha vida me disse, dando em minhas mãos o Evangelho segundo Allan Kardec: "abre em uma página qualquer." E eu abri. E chorei. Lá estava: 


A paciência

A dor é uma benção que Deus envia aos seus eleitos. Não vos aflijais, portanto, quando sofrerdes, mas, pelo contrário, bendizei a Deus todo poderoso, que vos marcou com a dor neste mundo, para a glória no céu.

Sede paciente, pois a paciência é também caridade, e deveis praticar a lei de caridade, ensinada pelo Cristo, enviado de Deus. A caridade que consiste em dar esmolas aos pobres é a mais fácil de todas. Mas há uma bem mais penosa, e conseqüentemente bem mais meritória, que é a de perdoar os que Deus colocou em nosso caminho para serem os instrumentos de nossos sofrimentos e submeterem à prova a nossa paciência.

A vida é difícil, bem o sei, constituindo-se de mil bagatelas que são como alfinetadas e acabam por nos ferir. Mas é necessário olhar para os deveres que nos são impostos, e para as consolações e compensações que obtemos, pois então veremos que as bênçãos são mais numerosas que as dores. O fardo parece mais leve quando olhamos para o alto, do que quando curvamos a fronte para a terra.
Coragem, amigos: o Cristo é o vosso modelo. Sofreu mais que qualquer um de vós, e nada tinham de que se acusar, enquanto tendes a expiar o vosso passado e de fortalecer-vos para o futuro. Sede, pois, paciente, sede cristãos: esta palavra resume tudo.



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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Mas gosto, gosto das pessoas. Não sei me comunicar com elas, mas gosto de vê-las, de estar a seu lado, saber suas tristezas, suas esperas, suas vidas. Às vezes também me dá uma bruta raiva delas, de sua tristeza, sua mesquinhez. Depois penso que não tenho o direito de julgar ninguém, que cada um pode — e deve — ser o que é, ninguém tem nada com isso. Em seguida, minha outra parte sussurra em meus ouvidos que aí, justamente aí, está o grande mal das pessoas: o fato de serem como são e ninguém poder fazer nada. Só elas poderiam fazer alguma coisa por si próprias, mas não fazem porque não se vêem, não sabem como são. Ou, se sabem, fecham os olhos e continuam fingindo, a vida inteira fingindo que não sabem.




.Caio Fernando Abreu in Limite Branco

"como aquela fé que a gente teve um dia..."



O infinito


. Caio Fernando Abreu
"Eu escrevo teu nome nessas pedras, que vou jogando por onde passo. No fundo, espero que você me siga, mas não tenho coragem de pedir. Aí, tem gente que vem, sem nem ser chamado, sem nem se importar com o fato do nome escrito ali, ser outro. As pessoas não ligam pr‘essas pequenezas, sabe? Eu ligo. Ligo pra tudo. Sou mais de detalhes, que do todo. Sempre fui. O fato é que fico olhando pra trás pra ver se você tá vindo e já tropecei umas quantas vezes. Esses dias mais. Isso porque não sinto teu cheiro no ar, não ouço o teu riso passeando pelas horas. E sinto falta. E sinto um quase-medo. Embora, não tenha a menor idéia de quê. Sabe quando você pressente o monstro no escuro, mesmo sem poder vê-lo? É assim. Não sei se você entende, não sei se alguém entende e, realmente, não me importo. Não me importo mais com um monte de coisas. Dos benefícios do tempo. Hoje, parei e sentei bem aqui na beira desse rio que me atravessa. Só pra te pensar bem forte e te fazer sentir amor do lado de lá. Sim, porque você ainda não atravessou a ponte, bem sei. Mas, ando me sentindo fraca e cansada. Tenho andado demais, jogado pedras demais, esperado demais e você não me alcança. Talvez, seja melhor mergulhar e afogar os pensamentos. Espero que você consiga chegar a tempo e salvar os mais bonitos."


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Se não sabe

♪ Eu só queria que você cuidasse
Um pouco mais de mim como eu cuido de você
Cuidar é simplesmente olhar pro mundo que você não vê

Pra medir o amor não existe cálculo
1+1 pode não ser 2
Futuro é linda paisagem
Desejo que não é sonho é mera ilusão

Se não sabe, se afasta de mim
Mas se ainda cabe
Me abrace, enfim

Só ligue se tiver vontade
Só venha se quiser me ver
Mentir é pura vaidade
De quem precisa se esconder

Será que eu vejo apenas o que você não vê?
Eu não entendo como você não consegue perceber?
que eu não sei mais, eu não sei mais, eu não sei

O sangue é o rio que irriga a carne
E a alma é a terra de um morro
é luz antiga o fim da tarde
dessa saudade sem socorro

Se não sabe, se afaste de mim
Mas antes que seja tarde
Nos salve do fim ♪



.Nando Reis
Traíra


Venha, não tenha medo. É só o mar. Não, eu não sei nadar. Eu te ajudo, vem. Confia, vem. Estica a perna assim, abre o braço assim. Respira assim. Vem. Mas eu não sei. Mas eu tô aqui. Olhe meus olhos tão arregalados, como posso guardar mentira aqui? Eu posso cantar pra você, eu posso te segurar, eu posso ficar aqui até você conseguir. Eu não sei. Tá perto. Vai. Solta da borda. Eu sei, você já foi parar no fundo. Mas agora é diferente. Tá mais raso. E eu tô aqui. Eu vim do outro lado do oceano. Eu vim só por sua causa. Vem, larga da borda. Pode vir. Eu vi você como você é e é por isso que estou aqui. Confia. Não sei. Pode vir. Não tem mais ninguém. A borda é para os peixes pequenos. Solta, isso, relaxa a cabeça no meu peito. Não tem fundo mas eu te ajudo a flutuar. Você pode. Calma. Afoga um pouco no começo, cansa, desespera. Mas você quer como eu quero? Quero. Então eu te ajudo. Vem. Isso. Segura em mim. Paz. Azul. Agora, você está quase conseguindo. Falta só metade. Você está quase chegando, mas eu vou decepar a sua cabeça pra usar de bóia. Eu também não sei nadar.
 
 
 
. Tati Bernardi
 
 
 
 
 
 
Inferno

Começou quando comi o terceiro sonho de valsa e eu nem estava com fome. Mais tarde, na segunda colherada de sopa, eu já queria vomitar, mas estava morta de fome. Conheço de longe, ou tão de perto, a tensão sexual: é a fome matadora que enjoa. É estar inflada demais pra se saciar, mas de um tamanho desproporcional para ficar saciada. Não faz sentido e é bem bobo de querer fazer. É vontade de mastigar algo, mas uma mão sai de dentro do estômago, passa pela boca e quer estapear o mundo. É desejo de porcaria e necessidade de vitamina. É preciso triturar, mas só passa líquido, quando passa. É a esquizofrenia da gana.

Dai decidi que agora não. Ah, agora não. Tudo de novo? Não. Então peguei meu celular, assim, meio ocupada, óculos e tal e mordendo o lábio inferior um pouco ressecado e, sem dó, deletei seu número de celular. Deletei as mensagens de texto também. E deletei seu nome e as fotos e a música e tudo.

E deletei você de tudo que me informa da sua vida e do lugar mais difícil de todos: do lixo do computador. Foi quando piorei. Vi seu carro parado na rua de trás e quebrei inteiro. Vi sua casa e ateei fogo. E vi você andando na rua e te atropelei. E nada adiantou. Porque você é antes de agora. Então voltei no mundo e deletei seu começo. E deletei o mundo. E deletei a explosão cósmica.

E nada adiantou, nada, porque desejo se forma em um lugar que é de onde somos também. Então eu teria que me deletar. E não adiantaria de agora, tipo: “não existo! Valendo!”. Teria que ser de antes. Mas complicou demais. E é por isso que escrevo isso da sua sala iluminada pelo sol mais feliz de todos que é o sol do dia seguinte quando ainda estamos no dia anterior. A vida que ultrapassa a gente só porque esses pequenos momentos de amor nos congelam dando uma falsa sensação de que pode ser bom pra sempre. Enquanto você dorme com uma camiseta cheirosa e é, posso dizer com certeza, a pessoa mais bonita que eu já vi numa cama desarrumada (...)
 
.Tati Bernardi
 
 
 
 

Tomara...



Tomara que a neblina das circunstâncias mais doídas não seja capaz de encobrir por muito tempo o nosso sol. Que toda vez que o nosso coração se resfriar à beça, e a respiração se fizer áspera demais, a gente possa descobrir maneiras para cuidar dele com o carinho todo que ele merece. Que lá no fundo mais fundo do mais fundo abismo nos reste sempre uma brecha qualquer para ver também um bocadinho de céu.

Tomara que os nossos enganos mais devastadores não nos roubem o entusiasmo para semear de novo. Que a lembrança dos pés feridos quando, valentes, descalçamos os sentimentos, não nos tire a coragem da confiança. Que sempre que doer muito, os cansaços da gente encontrem um lugar de paz para descansar na varanda mais calma da nossa mente. Que o medo exista, porque ele existe, mas que não tenha tamanho para ceifar o nosso amor.

Tomara que a gente não desista de ser quem é por nada nem ninguém deste mundo. Que a gente reconheça o poder do outro sem esquecer do nosso. Que as mentiras alheias não confundam as nossas verdades, mesmo que as mentiras e as verdades sejam impermanentes. Que friagem nenhuma seja capaz de encabular o nosso calor mais bonito. Que, mesmo quando estivermos doendo, não percamos de vista nem de busca a ideia da alegria.

Tomara que apesar dos apesares todos, dos pesares todos, a gente continue tendo valentia suficiente para não abrir mão da felicidade.

Tomara.



.Ana Jácomo
 
 

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

É tamanha a dor...
Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.

Eu amo desorganizado, desvergonhado. Tenho um amor que não é fácil de compreender porque é confuso. Não controlo, não planejo, não guardo para o mês seguinte.A confusão é quase uma solidão adicional. Uma solidão emprestada.Sou daqueles que pedirá desculpa por algo que o outro nem chegou a entender,que mandará nova carta para redimir uma mágoa inventada, que estará se cobrando antes de dizer. Basta alguém me odiar que me solidarizo ao ódio. Quisera resistir mais. Mas eu faço comigo a minha pior vingança. Amar demais é o mesmo que não amar.A sobra é o mesmo que a falta. Desejava encontrar no mundo um amor igual ao meu.Se não suporto o meu próprio amor, como exigir isso? Um dia li uma frase de Hegel: "Nada de grande se faz sem paixão" Mas nada de pequeno se faz sem amor. (…)Não me dou paz sequer um segundo. Medo imenso de perder as amizades, de apertar emais as palavras e estragar o suco, de ser violento com a respiração e virar asma. Até a minha insegurança é amor.




.Fabrício Carpinejar